sexta-feira, 1 de novembro de 2013

tomei gosto por esse negócio de querer

eu queria mesmo era uma área de serviço de verdade, a máquina de lavar rodando nossas roupas duas vezes por semana no sol que está fazendo na nossa varanda nesse exato momento
por falar em varanda, queria mesmo ela ajeitadinha, limpa de dar gosto - espantando essa vocação de guardar tralhas que ela possui - queria ela sempre a postos pra acomodar nós e nossa colcha, numa noite de lua, coxa com coxa
e como tomei gosto por esse negócio de querer eu queria também aquela rede - que a gente ganhou e nunca conseguiu encontrar lugar pra estendê-la - queria que ela tivesse vez. suspeito que balançando e embalando seria tudo um tiquinho mais leve, mais desimportante
outra coisa que eu queria demais era umas panelas novinhas, umas prateleiras para cabê-las sem aborrecimentos, e a gente na cozinha, como sempre
também não posso deixar de querer aquela nossa bandeja levando cafés da manhã na cama - como naquela vez que você me fez tapioca e suco de laranja - reciprocamente, sempre pra um de nós, sempre pra mesma cama
nossa mesa colorida tinindo também é algo que não há nem perigo de eu deixar de querer, com companhia por perto, porque comer sozinha é triste demais vezenquando
nossas almofadas coloridas (e laváveis) que estão em algum lugar esperando para aportarem no nosso sofá eu queria muito, inclusive agora (desde que mandamos para o espaço aquelas encardidas)
outros quereres: mais daquelas fotos/quadros/bonitezas iluminando nosso canto; um espaço privilegiado para caber os nossos livros, só porque eles merecem; só não desejo menos pratos na pia porque significaria menos cheirinho de comida gostosa; que a sky disponibilizasse os melhores filmes justo naqueles momentos em que estamos juntinhos no sofá; menos sustos com baratas voadoras; menos baratas voadoras; que o tempo corresse mais lento quando a gente deita à noite na cama, antes de dormir (também seria de bom grado se o despertador do celular fosse menos cruel)
e nunca (nunquinha, de núncaras) deixar de continuar desejando o que já temos: cheirinho de café em casa; cheirinho de johnson's baby; cheiro no cangote; comida surpresa preparada de coração; todas as conversas sobre feira, frutas e verduras frescas, o melhor lugar para comprar brócolis, acordar cedo para comprar alho poró, crianças, filhos, filhos dos outros, cachorros, vizinhos, cachorros dos vizinhos, dinheiros que somem, entregador de água que não chega nunca e quando chega não traz o troco, olho que ri, olho que chora, suas barrocas me provocando, beijo safado e safadezas em geral, risos, risinhos e risadas, ei tu tá tão linda(o), vem cá, deita aqui, fica aqui, encosta aqui, vamo ficar aqui até sei lá pra sempre

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

de onde nascem as coisas que crescem

para tauã 

eram noites despreocupadas em que você tocava violão e eu chegava perto para ouvir o que era mesmo que você estava tocando e acabava ficando, ouvindo, cantando junto, brincando de adivinhar logo nos primeiros acordes, sugerindo pout-pourris: éramos irmãos nesse exato momento. digo isso porque nunca foi tão bom ser irmã nessas (poucas) ocasiões em que alguma coisa inesperada brilhava devagarinho e assustadoramente por dentro quando estávamos juntos por qualquer motivo não-planejado, quando não era hora de nada, tempo de nada importante ou desimportante, só ficar ali, ir ficando.
sinto que nos captamos muito silenciosamente, sabe? nós, que somos do reino das palavras. aprendemos depois de muita dureza que é possível amar no silêncio. nós, que sempre vivemos enchafurdados em conteúdos demais, informações demais, sentimentos demais, explosões e implosões; nós nos tornamos silenciosamente amante das palavras que nos servem.
agora, 24 anos depois, percebo quem nos tornamos no meio daqueles emaranhados, quem nos sobressaímos diante de tantos enlinhamentos. e então me deu uma alegria de escrever isso aqui pra dizer que agora reconheço a você, meu irmão, com a particularidade que devo te reconhecer, como uma pessoa que se torna pessoa perto e longe da gente, independentemente de corpo, sangue ou veia, como uma grande pessoa desse mundo igualmente grande que tenho o prazer de conhecer. 

quarta-feira, 31 de julho de 2013

a última semana de férias

a última semana de férias é alguma coisa tão difusa que a princípio só consigo encaixá-la entre o tudo e o nada. última semana de férias é jogar duro ou pisar mole, aquele tipo de situação que a gente nunca sabe de antemão como vai reagir.
quero acordar cedo para aproveitar o desenrolar do dia e suas infinitas possibilidades, mas fico um tanto quanto cabreira se isso significa me privar de acordar na hora que bem entender meu sono, minha cuca, meu corpo.
e aí que o mais sensato parece tentar me equilibrar num qualquer ponto de uma escala onde aproveitar ativamente conviva em harmonia com ficar de pernas pro ar.
abre parênteses (
e que liberdade fascinante é essa de não ter pressa de viver. acho mesmo que a vida precisa de um quê de coisa em vão para valer a pena.
) prosseguindo:
e é principalmente depois de um momento de relax total que surge no fundo do peito aquela vontade de experimentar o ar lá fora, colocar roupa de passear lá fora, ver as pessoas lá fora, os filmes lá fora, a cerveja gelada lá fora, os caldinhos de bobó e charque de lá de fora.
na última semana de férias sobretudo me falta um pouco o ar (já contabilizo três episódios).
na última semana de férias a possibilidade do igual é cansativa e a oportunidade do novo amedronta e instiga em doses alternadas.
na última semana de férias penso muito que não quero me matar de trabalhar, e também penso muito que queria abrir meus leques ocupacionais em prol de mais alegria pra esse coração.
na última semana de férias penso que tenho uma casa pra arrumar, um amor para vivenciar de pertinho, um filme imperdível para assistir, o tempo livre que preciso mantê-lo livre, aquela cervejinha, aquele churrasco, aquele prato de frios. as roupas pra lavar. andar de bicicleta. comer saudável. comer gostoso. uma rede. um rock.
na última semana de férias gostaria que fosse pra sempre. que a rotina não sufocasse todos esses desejos.
na última semana de férias a única coisa que eu queria mesmo era escrever. e que o resto fosse só coragem. no presente.


sábado, 18 de maio de 2013

starts & game overs

já era tarde da noite, a gente vinha no carro e de repente ele soltou: é game over, baby. fiquei surpresa. nem parecia que se tratava da mesma coisa que conheço. se assemelhava mais a um bloco de concreto de uma tonelada ou coisa que o valha a lhe cair sobre as costas. a promessa do vir a ser doía e já era futuro do presente nas suas veias. um medo das tradições, das concessões, medo do nome, medo da coisa: ca-sar.
vou te dizer um negócio: confio muito que medo e desejo andam juntos, comparsas, parceiros, cúmplices. mas o medo dele era um medo diferente, um medo-pessimista um medo-gameover um medo-fudeu-lascou.
era visível que padecia e não era falta de amor, aparentemente. ele só estava cumprindo o roteiro do que já parecia desenhado. se entregou a um desejo alheio e foi: o medo é o de ele se apagar.
e eu que na minha experiência casei como um pulo, de improviso, paraquedas, junto com o fluxo, casei como mar, como onda, como um sopro, disse-lhe que não senti peso imediato a cair-me sobre as costas, posso dizer que foram despencando pesos e levezas ao longo do caminho. véus, grinaldas, grandes parques floridos ou igrejas, padres, damas-de-honra, flores vivas ou mortas não cruzaram meu caminho. e acho todos válidos. só é preciso ter clareza quanto ao seguinte: não é com o casamento que se casa, com o desejo é que se deve casar.
corta para a frase de drummond estampando minha mente nesse momento: amar se aprende amando. ora, ora.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

desatando


escrever (v. tr./ v. tr e pron./ v. intr./ v. pron.): aflição sem limites; respiração anti-natural; de onde vem para onde vai; impossível definir destinos
distritos detritos diâmetros
escrever é maior que qualquer coisa
viva ou morta
é maior que o cristo redentor
que o carnaval de olinda
maior, muito maior do que o amor eterno
escrever não é eterno: (tudo que não aspira ser eterno é mesmo muito grande).
além disso o que sei é que
não fiz um pacto
não nasci com gene predestinado
não possuo talento comprovado ou carimbado
não sou nenhuma promessa de futuro:
sou escritora
pratico a atividade de escrever qualquer coisa importante ou desimportante, indiscutivelmente bobagens
coisas que não almejam ser o que se vive
(o momento presente é sempre exato)
escrevo apenas porque é impossível tocar um sentimento um sopro um assovio (mas teimo)
escrevo por qualquer verdade & mentira, mas sobretudo por todos os sofrimentos inadiáveis
escrever é inadiável
até voltar a ocupar a prateleira das coisas desnecessárias no segundo seguinte.

domingo, 20 de janeiro de 2013

pintei o sete


I
esse amor não é romã
esse amor não é ah! mar
esse amor não é amora
esse amor só sabe morar

II
você não tem conserto.
meu coração-oficina só ama quem não tem conserto.

III
esparramar

IV
existe vida após a vida

V
seu silêncio é meu abismo; seu hiato, meu vazio.
dezmilvezes sua ausência do que o silêncio do seu corpo todo me gritando.

VI
e como respiro!
muito mais do que penso.
pensar tem sido minha última ferramenta.
uso os pés, as mãos, as coxas.
tenho sido artesanal.

VII
dos desafios da vida: suportar o insuportável;
dos mistérios da vida: insuportar o suportável.