eu queria mesmo era uma área de serviço de verdade, a máquina de lavar rodando nossas roupas duas vezes por semana no sol que está fazendo na nossa varanda nesse exato momento
por falar em varanda, queria mesmo ela ajeitadinha, limpa de dar gosto - espantando essa vocação de guardar tralhas que ela possui - queria ela sempre a postos pra acomodar nós e nossa colcha, numa noite de lua, coxa com coxa
e como tomei gosto por esse negócio de querer eu queria também aquela rede - que a gente ganhou e nunca conseguiu encontrar lugar pra estendê-la - queria que ela tivesse vez. suspeito que balançando e embalando seria tudo um tiquinho mais leve, mais desimportante
outra coisa que eu queria demais era umas panelas novinhas, umas prateleiras para cabê-las sem aborrecimentos, e a gente na cozinha, como sempre
também não posso deixar de querer aquela nossa bandeja levando cafés da manhã na cama - como naquela vez que você me fez tapioca e suco de laranja - reciprocamente, sempre pra um de nós, sempre pra mesma cama
nossa mesa colorida tinindo também é algo que não há nem perigo de eu deixar de querer, com companhia por perto, porque comer sozinha é triste demais vezenquando
nossas almofadas coloridas (e laváveis) que estão em algum lugar esperando para aportarem no nosso sofá eu queria muito, inclusive agora (desde que mandamos para o espaço aquelas encardidas)
outros quereres: mais daquelas fotos/quadros/bonitezas iluminando nosso canto; um espaço privilegiado para caber os nossos livros, só porque eles merecem; só não desejo menos pratos na pia porque significaria menos cheirinho de comida gostosa; que a sky disponibilizasse os melhores filmes justo naqueles momentos em que estamos juntinhos no sofá; menos sustos com baratas voadoras; menos baratas voadoras; que o tempo corresse mais lento quando a gente deita à noite na cama, antes de dormir (também seria de bom grado se o despertador do celular fosse menos cruel)
e nunca (nunquinha, de núncaras) deixar de continuar desejando o que já temos: cheirinho de café em casa; cheirinho de johnson's baby; cheiro no cangote; comida surpresa preparada de coração; todas as conversas sobre feira, frutas e verduras frescas, o melhor lugar para comprar brócolis, acordar cedo para comprar alho poró, crianças, filhos, filhos dos outros, cachorros, vizinhos, cachorros dos vizinhos, dinheiros que somem, entregador de água que não chega nunca e quando chega não traz o troco, olho que ri, olho que chora, suas barrocas me provocando, beijo safado e safadezas em geral, risos, risinhos e risadas, ei tu tá tão linda(o), vem cá, deita aqui, fica aqui, encosta aqui, vamo ficar aqui até sei lá pra sempre
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